sábado, 4 de fevereiro de 2012

O drama dos prematuros

Vou contar uma história triste não porque eu goste de histórias tristes, mas porque essa precisa ser contada. É a história da curta vida de um bebê que morreu sem a ajuda que necessitava para sobreviver. Uma morte anunciada pela omissão, descaso, pela ausência de investimentos, um crime recorrente dentro de uma sociedade que não prioriza a saúde.
A menina que viveu apenas 7h - vou chamá-la apenas de Ana - nasceu há poucas madrugadas em nossa cidade. O parto anunciou-se antes do previsto. Ela tinha sete meses e veio ao mundo pesando 1,8 kg, apenas 200g a menos do mínimo necessário para uma criança saudável sobreviver fora do útero materno sem o auxílio de aparelhos. Mesmo assim teria vivido para tornar-se uma linda menina se tivesse sido levada a uma UTI neonatal com urgência. A agonia de Ana e de sua família se prolongou por longas horas em busca de um leito nos hospitais regionais, que só apareceu quando já era tarde demais. Nem o privilégio de ter um plano de saúde particular a salvou da falta de recursos que assola a saúde, em especial no interior. Quem se importa se não há vagas? Ninguém pensa nas emergências que não suportam uma viagem de 500km. Em centros equipados, bebês de 5 meses já podem sobreviver. Mas Ana nasceu longe demais das capitais e não teve a sorte de outros prematuros que vieram ao mundo em dias em que sobravam vagas nas UTIs mais próximas. Aliás, nem uma incubadora havia para ela.
Só esse fato já seria doloroso o suficiente para quem perde um filho nessas circunstâncias. Mas o que veio a se saber depois foi ainda mais espantoso e revoltante. Segundo a família, havia duas vagas em hospital de Santo Ângelo, mas não foram liberadas porque estavam "reservadas"para outras mães que nem tinham previsão de terem seus filhos nesses dias. Pergunto: não deveria alguém ser punido por essa morte? Reserva de vagas em UTIs não existe, existe sim é omissão de socorro. Algo realmente precisa mudar com urgência em nossa sociedade. Ana morreu por nosso descaso, por nossa indiferença, por não sermos capazes de cobramos um mundo mais justo e humano. Infelizmente Ana não foi o primeiro nem o último bebê a morrer por falta de atendimento ou transporte adequado em nossa região.  Essas mortes continuarão a se repetir e enquanto nada for feito somente a sorte poderá definir os destinos dessas crianças. Se tiverem sorte, nascerão bem. Se tiverem problemas, terão sorte se conseguirem uma vaga em uma UTI. Se  conseguirem a vaga, terão sorte se houver o transporte adequado em uma incubadora. Esse drama precisa ter fim.

sábado, 31 de dezembro de 2011

Desejo

Desejo para 2012 pessoas melhores, que saibam discernir o bem do mal e, sabendo, optem pelo primeiro. Desejo crianças mais pacientes e pais mais firmes, homens mais tolerantes com a ingenuidade alheia e intolerantes com a corrupção e a injustiça. Desejo jovens que possam ver que a alegria está no espírito de cada um e não em um copo de bebida.
Desejo pessoas sendo tratadas como seres humanos - sendo olhadas nos olhos - e não como estatísticas ou números. Desejo, com urgência, corações expostos, sem medo de dizer a verdade e de sentir. Sim, desejo que reaprendamos a sentir e a dizer o que sentimos, o que sonhamos, o que queremos, sem medo. Quero pessoas dizendo eu te amo e isso sendo a mais pura verdade e não uma frase de efeito. Desejo o fim da falsidade, da hipocrisia, da violência. Anseio pelo reinado do diálogo, do carinho, da compreensão, da liberdade.
E falo da liberdade digna, que não seja a propalada pela mediocridade. Desejo políticos preocupados com pessoas, mas se não estiverem, desejo pessoas preocupadas em substituí-los. Desejo que a palavra dada seja cumprida e o erro perverso, sanado e punido. Quero, em 2012, o empenho pela felicidade sendo prioridade de um caminho construído por todos. Desejo que as pessoas agressivas recebam o afeto que necessitam, que acarinhadas aprendam a amar sem provocar dor e que, sabendo amar, iluminem um mundo cordial, onde a guerra esteja apenas em um livro na estante. Desejo que as pessoas pensem mais mesmo que isso lhe custe um sorriso. Desejo que elas parem de correr, pois nada há que justifique a pressa insana. Que apreciem o sol, o mar, a chuva, o céu, as estrelas, uma criança brincando, antes que seus olhos não possam ver mais nada.
Desejo que as pessoas redescubram os valores certos, que trazem paz e segurança, para que não se magoem mais umas às outras. Desejo o perdão a quem quer reviver sem culpa, desejo calor humano a quem sofre e a quem luta. Desejo que as súplicas de amor sejam ouvidas, que a solidão seja só um descanso e que a vida possa ser usufruída com responsabilidade e, assim sendo, respeitada acima de tudo. Desejo força a quem não tem, voz para os oprimidos e bons, silêncio aos malfeitores. Desejo uma janela a quem não pode mais ser visto.
Por fim, desejo que todas as pessoas do mundo tenham hoje algo a comemorar, porque a desesperança é túmulo da alma. E que, tendo algo a comemorar, tenham com o que comemorar para que a fome não retire do olhar o sopro da existência que nos faz flutuar.
Que venha um 2012 justo e com ele pessoas renovadas na arte de amar!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O caminho de uma nova geração

Eu faço parte da geração perdida, jovens que ficaram sem causas para lutar depois que seus pais levantaram todas as bandeiras das ideologias. Herdamos um mero retrato na parede. Pouca coisa mudou.
Na história mais recente, os jovens abandonaram grande parte dessas ideologias e a política, descrentes de tudo e de todos. Mas na esteira desse ceticismo, incrivelmente a atual geração encontrou um caminho talvez muito mais produtivo para contribuir com as mudanças que o mundo precisa: o protagonismo.
Os jovens deixaram de esperar pelas lideranças. Acreditam que podem fazer mais com aquilo que sabem e está ao seu alcance. Não deixaram de sonhar, mas esperam bem mais do que uma canção para os animar. Estão agindo, silenciosamente, e construindo uma nova forma de ser e pensar as responsabilidades. São jovens que adotaram novos valores, muito mais humanos, de convivência com os outros, apesar de todas as ausências de perspectivas que os cercam. São jovens que se importam com aquilo que está ao seu lado e nos ensinam que as verdadeiras revoluções começam dentro de nós.
A campanha Agir Sem Fronteiras é feita por jovens universitários, uma delas de Cerro Largo, que se identificam com um olhar solidário capaz de transformar realidades. Se todos pudessem doar sua força de vontade, coragem e profissionalismo a quem foi segregado das chances da vida o mundo de fato poderia evoluir sem os traumas da guerra. Pudéssemos todos rever nossos preconceitos, acessar nossa tolerância, abrir portas com um pequeno gesto cotidiano de carinho, alcançaríamos enfim a sustentabilidade que é a ânsia do mundo: a disseminação do amor.

Quer fazer seu gesto, conheça aqui a campanha e como ajudar! 

sábado, 15 de outubro de 2011

Professor, sopro de inspiração


Ser professor não é para qualquer um. É muito difícil ensinar e não é por conta de carga horária elevada, baixos salários, condições de trabalho precárias, embora todas essas coisas ajudem a tornar bem mais penosa a tarefa de educar. É porque ensinar a aprender exige o dom amoroso da entrega, da persistência, da paciência. É mostrar que a gente só consegue aprender se acessar um sentimento profundo de envolvimento por aquilo que queremos realmente conhecer.
Ensinar não é só repassar a técnica, assim como aprender não é apenas assimilá-la repetindo procedimentos. Ensinar é iluminar o caminho para que o aluno possa criar além de tudo isso. E para criar não basta apenas ter técnica, é preciso alocar o coração com toda a força e inspiração que isso envolve, uma inteligência extra que extrapola o que está nos livros. Entusiasmar a ponto de fazer o aluno colocar sua emoção na busca pelo conhecimento é também o que faz o bom professor. Desejamos, descobrimos e evoluimos porque alguém nos inspirou. Neste video pode-se perceber essas questões sem a necessidade de palavras. Uma justa homenagem a quem lida com letras, números, ideias e com os sentimentos mais mágicos e poderosos do ser humano.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Conflitos de se amar um país como o Brasil

Insiste em preponderar em grande parte dos corações brasileiros sentimentos contraditórios quando são chamados a declarar seu amor pela Pátria. Num país como o Brasil, repleto de corrupções, violências, falta de zelo e cidadania, a hora cívica é um momento conturbado para quem está para lá de Bagdá com tanto descaso.
Pois digo que não deveria ser assim. Infelizmente confundimos o país que temos com aquele que queremos e nos esforçamos todos os dias para fazer crescer. Só podemos nos orgulhar de sermos brasileiros estando cientes que temos maravilhas a cultivar. E temos mesmo, somos com frequência destaques no exterior, tanto no esporte quanto na criatividade tecnológica, nos avanços econômicos que aos trancos e barrancos efetivamente se consolidam e na forma afetosa como nos relacionamos com todos os povos. Falta muito, é verdade, mas o mar não é de rosas para nenhum país no mundo.
As coisas boas, porém, não nos esforçamos para lembrar aos nossos jovens. Tenho visto poucas manifestações de amor pela Pátria nos desfiles cívicos. Os protestos preponderam. Se forem formas de expressar que queremos um futuro melhor, ainda vá, mas muitas vezes parece mera desilusão. O problema é fazer com que as crianças vejam simplesmente este lado e cultivem um certo desconforto por empunhar uma bandeira brasileira. Aliás, onde estão os cartazes e bandeiras verde-amarelos com frases para a autoestima nacional? Cada vez mais raros.
Cadê o incentivo às bandas dos colégios, hoje praticamente extintas? Lembro com saudade do meu tempo de banda, que muito me ensinou sobre ritmo, senso musical, harmonia. Nunca associei banda com militarismo ou ditaduras como gostam de apontar alguns neuróticos da educação libertária. Banda ensina música, que, aliás, os colégios já estão sendo obrigados a assumir em seus currículos.  Eu sinto saudade nas horas cívicas daqueles poemas bem escrachados de amor por essa terrinha tão machucada, das crianças com bandeirinhas  do verde das matas cantando Eu Te Amo, Meu Brasil sem nenhuma conotação pejorativa por trás ( por que diabos sempre tem de haver uma?). Amor que não tem nada a ver com política, mas com essa gente trabalhadora que nos orgulha todos os dias. Somos - que pena! - tão abatidos com nossa história,  desmotivados das nossas conquistas.
Por que não podemos vibrar com esse país tão cheio de belezas ao menos uma vez por ano? Temos outros 364 dias para discutir e resolver nossos sérios problemas que nunca deveriam aplacar nosso amor pela Pátria, a Pátria que nos concede nossa identidade. Seria bom se nas salas de aula e nas salas de estar pudéssemos ouvir, além das críticas e da conscientização sobre nossos problemas, um pouco de saudável ufanismo por todas as nossas riquezas, valores e capacidade. Que tenhamos o direito de sermos estimulados a externar nossas felicidades nacionais sem vergonha ou medo, porque é essa força que vai garantir estar sempre acesa a chama da mudança nos corações jovens. Só amando verdadeiramente nosso país poderemos melhorá-lo.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Seja apaixonado!

Adoro gente apaixonada. A paixão saudável, claro, não o terrorismo emocional. Quem curte muito o que faz contagia os outros e não se pode fazer nada a não ser jogar a  toalha. Entrego-me a quem é assim. Toda vez, não tem jeito.
Por exemplo, quem tem paixão pelo trabalho faz todo o mundo notar, não precisa apresentar o caso. O entusiasmo garante que quem estiver por perto fique logo sabendo. Às vezes dá uma inveja porque parece que ali não reside problemas, é tudo festa. Mas existem problemas sim, só que a pessoa apaixonada acredita que tudo valerá a pena no fim...e não é que tudo compensa mesmo? Claro, pois as pedras no caminho são só um percalço que desaparecerá assim que o resultado final for alcançado. E os apaixonados sempre alcançam o que querem porque não desistem nunca de ser felizes. Se não dá de um jeito, muda-se o roteiro e pronto! Dê-lhe paixão para outra direção, mas sempre fazendo o que se gosta. Para que dinheiro se eu só quero amar? já perguntava o incrível Tim Maia em uma de suas músicas mais famosas.
Adoro gente apaixonada. É aquela alegria e disposição que lhes consome todas as forças ao mesmo tempo que as regenera. Veja-se a relação dos homens com o futebol. Mesmo a mais fanática das torcedoras é incapaz de reproduzir a paixão que os move quando o assunto é bola na rede. Enquanto as mulheres simplesmente vibram, os homens remexem as entranhas. Porque é assim: paixão só é paixão de verdade se for visceral. Por isso, até posso me incomodar quando os gritos são efusivos demais e as manifestações se alastram pela madrugada , mas se forem frutos da paixão saudável pelo esporte...eu entendo.
E o que dizer das mulheres e sua paixão incondicional pelas criaturas que colocam no mundo? Não há nada capaz de se interpor entre uma mãe e um filho. O pai até que tenta, mas sabe lá no fundo que não fará fervilhar seu vínculo afetivo do mesmo modo que a leoa mãe. Porque só lá, enraizado no ser materno, é que o arrebatador sentimento reside com doçura ao mesmo tempo em que está apto a transformar-se em um tsunami quando menos se espera. Desculpem-me quem nunca saiu do sério para agarrar algo apaixonadamente. Desculpem-me os técnicos competentes por detrás de suas mesas. Desculpem-me aqueles que batem ponto apenas esperando o salário chegar. Perdoem-me. Verdadeiramente não tenho nada contra nenhum de vocês, às vezes é grande mesmo a vontade de sucumbir ao marasmo. Desculpem-me todos, mas gente apaixonada é uma benção para a vida e para o mundo. Elas são melhores porque fazem as coisas vibrarem. A paixão nunca deixa ninguém esmorecer, o máximo que ela permite é um pit stop rápido para o coração aquiescer.
Não queria terminar com um chavão tão comum, porém quem resiste... A vida é muito curta para não sermos apaixonados. Sejamos logo antes que o tempo passe tão depressa que não nos dê nem tempo de sorrir. Recebemos apenas um sopro para voar com o qual precisamos plainar por toda nossa existência. Com certeza essa experiência merece o ardor que a torne inesquecível.
   

sábado, 30 de julho de 2011

Amy, a personagem

Se você é do tipo que não se escandaliza mais com nada, nem precisa ler adiante. Este post é sobre a Amy Winehouse, que morreu vítima das drogas, em uma escalada crescente de degeneração física e emocional. Igual a tantas outras jovens? Pode ser, porém quem tem sensibilidade é bom que reflita. Chamou-me a atenção esta jovem não só por ser dona de uma voz incomparável, mas pelo apreço que recebeu entre os jovens de sua geração, copiadores do seu estilo de vestir e se arrumar.
Será que Amy era mesmo a garota que seguiu os passos de ídolos da juventude de outras épocas, como Janis Joplin e Kurt Cobain, que também deixaram cedo os palcos tragados pelas drogas? Sim, ela também sucumbiu, no entanto há uma diferença bastante acentuada entre esta jovem e toda aquela turma dos anos 70. Amy não parece ter usado drogas para amplificar seu talento, para romper padrões, expor rebeldia ou compor letras mais piradas como foi a tônica da geração hippie. De frágil estrutura emocional, cedo foi turbinada para o sucesso e como apoio teve companheiros que a incentivaram à decadência. Ela teve realmente pouca ou nenhuma escolha. Preferível então compará-la a Michael Jackson, que mesmo muito mais velho, também terminou soterrado pela fama, massacrado pela mídia, sem poder repousar. No final, viu-se dormindo para sempre em uma overdose de anestésicos.
O que eles tinham verdadeiramente em comum, além do talento, é que ao seu lado não havia ninguém para dizer chega! Deveria ser absurdo a nós perceber estarmos em uma sociedade que aplaude a drogadição e que já excedeu o seu limite de perversidade,  sacrificando seus jovens escancaradamente, sem remorsos. Mas não, não é absurdo, tudo existe dentro de uma lógica doida, é muito lindo se chapar e se não lembrar de nada no outro dia a risada vai ser muito mais gostosa. É divertido correr riscos, it's so cool. Talvez já tenhamos vivido demais e estejamos de ressaca de sobrevivência. Quando será que o mundo vai acabar mesmo? Houve quem colocasse garrafas de bebida alcóolica em homenagem à Amy, incrível não?Deveriam ter quebrado garrafas, queimado suas baganas e seringas em uma grande fogueira simbólica. Mas não. A revolta e a tomada de atitude não existe mais em uma sociedade inconsciente de tão entorpecida por valores equivocados.
Todos nós estamos ébrios, de cara cheia de individualismo. Amy morreu e sua morte não significa nada. Ela era uma personagem e cumpriu o papel que todos esperavam. Quem quer saber se existia humanidade nela? Pois digo que deveriam querer saber. Muitas outras Amys ainda estão por aí, talvez não tão talentosas, o que as tornam alvos ainda mais fáceis da nossa indiferença.